Educação Brasileira

Progressão continuada, aprovação automática e miopia pedagógica

 

A educação brasileira é mais conhecida pelos seus problemas do que pelos seus projetos que almejem soluções. Neste contexto, a gestão de uma escola pública depara-se com uma equipe de profissionais, por vezes da área pedagógica, geralmente desmotivada pelo piso salarial, pela falta de recursos, pelo perfil de uma classe estudantil com valores modificados, nos quais se destaca a falta tanto do respeito ao próprio professor quanto de compromisso da família no acompanhamento escolar (com algumas exceções).

Entre tantos percalços, encontramos, por conseguinte, uma realidade em que a repetência e a evasão escolar caracterizam cada vez mais o cenário educacional do país.

A progressão continuada, as classes de aceleração e a recuperação de férias foram destacadas pela SEE-SP como ações necessárias para racionalizar o fluxo escolar, visando “reverter o quadro de repetência e evasão”, de forma a permitir que “a quantidade de recursos perdidos ano a ano com o enorme contingente de alunos reprovados” constitua-se em “auxílio poderoso na reversão do quadro de pobreza de estímulos materiais em nossas escolas, bem como dos baixos salários dos profissionais do ensino.” (São Paulo, 1995, p. 303 apud Steinvascher, 2011, p.2)

Assim sendo, surge uma solução para este problema: estamos falando da progressão continuada. Este é um sistema que ocorre principalmente do primeiro ao terceiro ano do Ensino Fundamental I e que não prevê a reprovação do aluno de ano em ano caso este não tenha conseguido rendimento suficiente, ou seja, nestes casos deve haver um acompanhamento contínuo dos professores paralelamente às aulas, como recomenda a LDBEN.

Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, “Os estabelecimentos que utilizam progressão regular por série podem adotar no ensino fundamental o regime de progressão continuada, sem prejuízo da avaliação do processo de ensino-aprendizagem, observadas as normas do respectivo sistema de ensino.” (LDB, art. 32, inciso IV). Deste modo, entendemos que este regime pode ser instalado em qualquer instituição educacional do país, mas será que este caminho nos tem levado realmente a uma educação democrática e de qualidade para todos?

O que vem acontecendo de fato na sociedade brasileira é que a prefeitura possui uma concepção equivocada daprogressão continuada, o que acaba refletindo na atuação dos profissionais das escolas municipais. A progressão carrega a famosa “fama sem proveito”, já que é a aprovação automática que impera como solução para as problemáticas da evasão e da repetência escolar. Há um problema grave de ordem conceitual que influencia diretamente a compreensão e implantação destes regimes nas escolas.

aprovação automática confere ao aluno a aprovação nas séries subsequentes sem nenhum tipo de avaliação ou orientação, ou seja, o aluno é aprovado automaticamente, como já explícito, sem nenhum tipo de preparação para encarar as séries posteriores. Daí a grande e alarmante distinção que não deixa equivalência entre os dois regimes. Além disso, enquanto a progressão acontece em ciclos, a aprovação ocorre por série/ano.

Considerando agora o cotidiano de uma sala de aula, constato que, na prática, os professores sentem a necessidade de dividir a turma, uma vez que o rendimento não foi alcançado por boa parte dela na série anterior. Normalmente esta divisão se dá em dois grupos, nos quais são colocadas atividades específicas para cada um nos quadros. Para ser mais clara, a sala é dividida e reordenada, ou seja, como esta entendida “progressão continuada” ocorre teoricamente no ciclo de alfabetização, quem sabe ler vai para um lado e quem não sabe vai para o outro.

Mas, como assim dividir a turma? Como assim, deixar que os próprios estudantes se sintam tão perdidos e envergonhados? Pois bem, esta é uma problemática muito comum na nossa realidade: a classe multisseriada. Isso acontece como resultado desta dita progressão que de continuada não tem nada, e que termina apenas por manter ou no mínimo piorar o quadro de reprovação e evasão que marca cada vez mais o cenário educacional do Brasil.

Isso acarreta, além da estratificação da própria turma, uma série de conflitos, nos quais dentre estes posso destacar um fato, por experiência própria: Um menino que estava no grupo dos que sabiam ler, disse, rindo: − Eles vão copiar do outro porque são burros… Então, um do grupo oposto respondeu em defesa: Burro não, ninguém aqui é burro. O burro tem orelhão e quatro patas. E outros diziam: − A gente que não sabe ler não é pra fazer o de lá não. E, assim, a professora continuava a aula, como se nada estivesse acontecendo. Já não há sensibilidade, visto que são anos de trabalho com esta concepção errônea da progressão continuada.

É nesta teia de conflitos que este assunto vem gerando muitas discussões, já que os alunos acabam avançando para a série seguinte carregando sérias carências, o que aliado às consequências citadas acima, acaba não só atrapalhando o aprendizado destes alunos como também o dos demais.

Pelo que observamos ao longo do texto, fica evidente que a progressão continuada vigente não contribui de forma alguma para a mudança da cultura excludente do nosso país. E que nem muito menos a reprovação ou aprovação automática é o caminho para isso.

Acredito que o ideal seria ter uma conversa com os pais e, assim, a partir de um trabalho conjunto, dar mais atenção a estes estudantes. Cessar a repetência sem que haja uma estratégia de cunho pedagógico, que se interesse verdadeiramente pelo desenvolvimento do educando, jamais trará para a nossa educação um ensino de qualidade.

A educação pode contribuir tanto para a mudança, quanto para a manutenção da sociedade. Por isso, para transformá-la, nós, educadores, precisamos refletir a nossa prática nas salas de aula, bem como os conhecimentos que norteiam este espaço, a exemplo da distinção entre progressão continuada e aprovação automática, que no mais breve entendimento se mostra fundamental para a formação de qualquer cidadão.

 

 
 

Referências.

ALMEIDA, Fernando José de. Progressão continuada não é aprovação automática. Disponível em: <http://revistaescola.abril.com.br/gestao-escolar/diretor/progressao-continuada-nao-aprovacao-automatica-611988.shtml>, acesso em 03 ago. 2011.

BRASIL. Senado Federal. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: nº 9394/96. Brasília: 1996.
PASTORE, Marina. Nove respostas sobre a progressão continuada. Disponível em: <http://educarparacrescer.abril.com.br/aprendizagem/progressao-continuada-brasil-622270.shtml>, acesso em 26 jun. 2011.

STEINVASCHER, Andrea. Progressão continuada no estado de São Paulo: Análise da produção acadêmica. Disponível em: <www.anped.org.br/reunioes/28/textos/gt05/GT05-1047–Int.doc>, acesso em 26 jun. 2011.

 

*Data original da publicação:  10 de agosto de 2011

 

 

Ano: 
2011