ENTRE OS MUROS DE MIM MESMA

ENTRE OS MUROS DE MIM MESMA

 

Nem tudo é como nos parece ser e nem sempre nossas expectativas são atendidas. E isso pode se tornar uma experiência gratificante.
Aconteceu comigo na sala de cinema. Não me recordo de ter algum dia me sentido tão prisioneira entre aquelas e daquelas quatro paredes. Quase sufocante. Condicionada aos filmes que, com essa temática, exibem problemas e apontam caminhos, respostas e nos envolvem com uma força animadora e por vezes, arrebatadora, de repente me deparei com o vazio.
De início me senti um tanto ansiosa, aguardando por um diálogo, uma frase, uma palavra: uma indicação (clara!) qualquer. Da ansiedade passei para a angústia quando desconfiei que minhas expectativas não seriam satisfeitas. E do clímax dessa angústia nasceu uma alegria particular*, como nasce o sol no novo céu da consciência. Descobri: eu é que teria que dar as respostas que talvez, tivessem que ser dadas apenas a mim mesma. Assim, aquele momento de “lazer” ao qual me obriguei, como tentativa quase desesperada de sair da rotina do não-tempo, do não-espaço, da não-contemplação, da não-convivência, deu lugar ao prazer. Comecei a vislumbrar o belo… e relaxei.
Muitas vezes a realidade é um retrato em branco e preto que desejamos colorir. Compreendi mais uma vez, agora ali, que a realidade também tem voz e que pode falar por si mesma. Foi o que o filme me possibilitou: apenas deixar que a realidade se revele, como um fotógrafo que quer apenas capturar a imagem.
As experiências daquele professor são as experiências de outros tantos do outro lado do planeta porque os traços de humanidade, não importa a cultura, lhes são comuns. Há necessidades que são intrínsecas à espécie humana. A forma de expressá-las pode diferenciar-se, mas a necessidade continua lá, na essência – também no ego.
Um microcosmo da França contemporânea se desdobra em mim e se torna o macro. A partir da sala de aula posso imaginar como é fora dela. Os muros daquela escola me ajudam a romper com meus próprios muros. O título original “Entre les Murs” é discreto, sutil, contido, “preto e branco” como o filme. As cenas passeiam sem intervenções, sem afetações, sem excessos nem maneirismos. É apenas a realidade, mas, isso é tudo? Foi o suficiente para me deslocar daquele espaço confinado e me lançar em uma tela-teia ainda mais complexa. Um sistema que diz sobre a crise de identidade, sobre uma educação que clama com um grito** de Munch por novas necessidades – ou seriam necessidades ancestrais ainda mais sedentas?
Há quem diga que a paisagem de O Grito foi contemplada por Munch a partir de um asilo psiquiátrico e perto de um matadouro, expressando assim o tema da loucura e da morte, elementos constituintes e formadores do artista. Como compor esse pano de fundo ontológico em nossa educação? Como resgatar aprendentes e ensinantes que há em nós reproduzindo os muros de nossos padrões mentais? Como continuar a negligenciar o corpo, os instintos, a intuição, o meio, o outro? Como construir escolas sem desbravar dentro delas o espaço para o lúdico, o eterno, o agora? Como criar autonomia sem a experiência de amizade?
Embora eu previsse como terminaria Entre os Muros da Escola – como uma cena comum que sucede outras comuns – foi essa forma que me possibilitou a dialética sobre e sob a pele. Foi a forma despretensiosa da arte da escuta sensível do real – e há hoje coisa mais pretensiosa? – que me conduziu ao insight de um caminho natural: romper os muros de dentro para fora. E como bem já disse Oswaldo Montenegro:
Que a arte nos aponte uma resposta
 
Mesmo que ela não saiba
 
E que ninguém a tente complicar
 
Porque é preciso simplicidade
 
Para fazê-la florescer
 
* Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
Pra me fazer aquietar o espírito
** Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca
Porque metade de mim é o que eu grito
Mas a outra metade é silêncio
*Data original da publicação:  9 de outubro de 2011.
Ano: 
2011