Nem só de tocar trombetas vivem os anjos

Nem só de tocar trombetas vivem os anjos

Eu somente acreditaria em um Deus que soubesse dançar”.
Friederich Nietzche
Talvez o mais inusitado de nossa profissão seja o inesperado que nos espreita em nossa sala de aula, principalmente em se tratando de crianças, exatamente aqueles seres sobre os quais aprendemos que por volta dos seis ou sete anos entram em Período de Latência, segundo os ditos e escritos da Psicanálise.
Revejamos em primeiro lugar o que se chama Período de latência: período que se segue à fase fálica, quando da descoberta da diferença entre os sexos, e no qual as crianças deixam os seus interesses sobre sexualidade em segundo plano e se voltam para outras atividades sublimes, ou porque não dizer, angelicais. Tal período, iniciado por volta dos seis anos, deve perdurar, se sorte tiverem pais e professores, até por volta dos 11 anos, quando deve irromper a puberdade.
Nós encontramos estas informações em muitos manuais de Psicologia da Educação e não mais precisamos nos alongar sobre o tema. E são estas informações que normalmente nos são ensinadas nas disciplinas de Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem, o que deixa a noviça professora dos primeiros anos do Ensino Fundamental, em tese, longe de problemas tais como masturbação infantil, descoberta das diferenças entre os sexos e todas estas tentações da carne. Pois, que lá estava escrito – maktub – que este era um problema da professora de Educação Infantil às voltas com crianças na fase fálica.
Precisamos, contudo, digamos, acrescentar aos nossos manuais de Psicologia da Educação: o fato de que dizemos que no Período de Latência a sexualidade infantil ocupa um segundo plano nas preocupações da criança:
(1) Não significa que a sexualidade infantil desaparece neste período;
(2) Os apelos eróticos midiáticos não povoaram o mundo das crianças de Freud, por ocasião em sua obra foi escrita.
Há, portanto, dois grandes fatores para que temos que levar em conta a fim de que possamos melhor entender o ocorrido com o nosso anjo dançarino antes de expulsá-lo do paraíso.
Primeiro vamos à narrativa do caso: um grupo de alunos do primeiro ano do Ensino Fundamental encontra-se sozinho na sala porque a professora e a estagiária precisaram se ausentar alguns minutos para providenciar material didático. A estagiária retorna antes da professora e um dos alunos, o nosso anjo sexuado, está dançando AXÉ e sua bermuda se encontra abaixada na altura do joelho…A sala está em pavorosa ou em polvorosa, melhor dizendo…A entrada da estagiária acaba com a brincadeira…E depois do que já conhecemos: “pró, desculpa…pró, puxaram minha bermuda…”, e tudo voltou ao “normal”. Sem grandes alaridos. Pontos para a professora e para a estagiária, que, pelo menos, em exame preliminar, não poderíamos dizer tratarem-se de exemplos clássicos das clássicas histéricas de Freud. Assim o fossem, o caso teria terminado na delegacia da escola…
Mas aí vem a pergunta? Qual a menor maneira de agir em caso como estes?
Primeira resposta: muito vai depender da relação que a própria professora tem com sua sexualidade.
Particularmente, considero uma grande oportunidade para trabalhar muitos dos temas que nos interessam, tantos professores como alunos:
(1) Temas em ciências que abordem as diferenças entre os corpos masculinos e femininos;
(2) Temas em língua portuguesa sobre os usos de expressões populares e expressões científicas para designar os órgãos sexuais de homens e mulheres.
(3) Temas em dança que abordem as diferenças maneiras de dançar;
(4) Temas em geografia e/ou história sobre povos que têm outra relação com o nu;
(5) Temas de comportamento moral sobre limites entre o público e o privado em relação ao corpo;
Não sou a favor de um componente curricular específico sobre SEXUALIDADE NA ESCOLA em qualquer que seja o nível ou modalidade de ensino. Sexualidade não se ensina ou, pelo menos, a escola não é lugar para se ensinar sexualidade. A escola é lugar de construção ou transmissão de conceitos científicos e de aprendizagem de comportamentos socialmente reforçados na sociedade em que vivemos.
E assim caminha a escolarização… Estas são minhas sugestões. Nunca dois professores serão idênticos, tal como sonha a ilusão pedagógica… Há muito mais mistérios nas relações entre professores e alunos do que imagina a nossa vã Pedagogia.

 

*Data original da publicação:  2 de setembro de 2011.
Ano: 
2011