O grito

O grito: a fragilidade da autoridade em sala de aula

Sabemos das mil e uma utilidades do grito ao longo da história da nossa espécie. Muito pouco parece ter mudado desde outros tempos quando nossos ancestrais usaram do grito para expressar seu horror frente ao perigo ou à alegria extrema. Uma forma de grito, contudo, nos interessa neste post: o grito para expressão da autoridade em sala de aula. Atire, pois, se for professor, a última pedra se nunca fez uso dele com a finalidade de “controlar” seus alunos...

 

        

                                                                                                                                                       

Não temos registro de qualquer literatura que nos indique que o grito, como arma de controle disciplinar, possa ter tido sua origem em pesquisas qualitativas ou quantitativas, etnográficas ou laboratoriais... Donde, então, supomos que se trata de uma prática pedagógica cuja origem se encontra na transposição de práticas de controle da esfera familiar para a esfera escolar. Não somos, contudo, historiadores. Portanto, aqui fica a sugestão a quem interessar possa de um interessante trabalho a ser feito no campo da história da educação.

Certo é que no campo da Psicologia da Educação encontramos algum suporte sobre a crise do uso do grito como instrumento de controle. Citemos, por exemplo, os registros psicanalíticos a propósito do fim da autoridade, da falência da metáfora paterna, do mal-estar docente e, claro, do lacaniano jogo dos quatro discursos...

Narremos, então, um caso real. Estava eu em uma sala de quinto ano do Ensino Fundamental tentando instalar uma oficina de sexualidade. Muitos erros de planejamento e lá estava eu às voltas com a dita e humilhante, para alguns, falta de domínio de sala. Então, apareceu-me a diretora. Mãos na cabeça a gritar em nome do silêncio e do respeito ao convidado, que era eu. Alguns silenciaram e outros insistiam em seu propósito de denunciar o fracasso da oficina. A diretora perseverou em seus gritos. Aos poucos, os últimos alunos silenciaram. Experimentei, então, uma desconfortável sensação de um silêncio produzido não pelo exercício da autoridade, mas por um certo sentimento de constrangimento dos alunos diante da fragilidade imposta pelo grito da diretora...Afinal, o que poderia ela com o volume de sua voz em dó maior, diante daqueles 37 estudantes com idade média de 10 anos? Lembrou-me a bela imagem de Edvard Munch na ponte, tal como o quadro que ilustra este post. Muito a aprendermos com tudo isto...

Mas, e se a gente pudesse ainda impor nossa autoridade pelo grito? Se os alunos tivessem silenciado ao primeiro grito da diretora? Talvez nunca tivesse eu, por exemplo, suposto não apenas o fracasso do planejamento da oficina, mas também que a autoridade escolar nem sempre repousa sobre a razão. Mais ainda, nunca teria me ocorrido que os alunos pudessem calar não para obedecer, mas por aliança silenciosa com a nossa fragilidade enquanto representantes de um poder. Um poder que já não mais se sustenta no exercício de um razão instrumental cujo imperativo se traduziu por séculos em: cale-se porque estou mandando...

O fim deste tipo de autoridade está, não obstante, deposto. E isto nos impõe, enquanto educadores, limites. Mais do que falarmos, tal como os psicanalistas, em falência da metáfora paterna, nós devemos nos perguntar sobre a falência de uma hipérbole docente. Em que pese o saudosismo de alguns, os tempos são outros: menino, mulher e tamanco não mais repousam debaixo do banco...

 

*Data original da publicação:  01 de junho de 2011

 

 

 

Ano: 
2011