Paulo Freire

A PEDAGOGIA DO OPRIMIDO PARA ONTEM, HOJE E NUNCA MAIS

 

 

 

“Aos esfarrapados do mundo e aos que nele se descobrem e, assim descobrindo-se, com eles sofrem, mas, sobretudo, com eles lutam.” (p. 23).

 

 

1968. Para o mundo, o ano zero de uma nova era – será? Uma guerra travada nos limites da consciência e em meio aos ditames da vida factível – e fatídica – e da vida idealizada. Na frente, a palavra novo. O novo que precisava ser criado e experimentado. O novo que precisava sobrepor-se a tudo o que se diz ser e não é.

Muito do que se intitulou revolucionário acabou por reproduzir os mesmos princípios de um velho companheiro: a inexorabilidade. A concepção determinista da história humana tanto nas visões das políticas de direita como nas visões mecanicistas das políticas de esquerda, expressam uma visão fatalista sobre o futuro. Para os reacionários, a leitura do mundo está afinada com a ideologia dominante que concebe a realidade como fatos naturais, que quando muito, sofrerá adaptações que aperfeiçoarão seus mecanismos de reprodução. Para estes revolucionários, o novo está fadado a acontecer ao conceberem a história como sendo determinada por leis necessárias e quase que totalmente indiferentes à vontade humana.

É neste contexto que a Pedagogia do Oprimido insurge. Em 1968 é lançada a obra mais importante e conhecida, do menino simples de Pernambuco, que aprendeu a ler e a escrever à sombra das mangueiras, tendo o chão por quadro negro e gravetos por giz e tornou-se mestre para milhares de pessoas em todo o mundo. No solo firme da realidade e nos espaços entre as tênues nuvens dos sonhos, Paulo Freire traduziu o caminho por excelência do ser humano: a inconclusão.

A vocação para a humanização, para ser mais no mundo, é muito mais do que a simples tomada de consciência, é o enfrentamento das situações-limites que desafiam o potencial de uma existência cada vez mais livre. A libertação do oprimido na visão de Paulo Freire confunde-se com a ação transformadora da realidade – a práxis – construção dialética do mundo e dos próprios sujeitos.

Em sua obra Pedagogia da Esperança, lançada em 1992, Paulo Freire relembra como elaborou a Pedagogia do Oprimido, que, curiosamente, revela como os homens se tornam. Artesanalmente, a partir de cartas, bilhetes, fichas e anotações que foram surgindo durante os quatro anos de seu trabalho, enquanto exilado no Chile, após alguns meses e com três capítulos escritos, ele se dá conta de que a obra não estava concluída. Como um artesão que precisa de cada teia tecida para compor a rede de sua existência, a materialização de suas idéias são representadas por uma sequência de obras escritas que revelam o amadurecimento da reflexão e da articulação com a prática. Podemos dizer que sua última obra publicada, Pedagogia da Autonomia é a culminância do seu exercício que aponta para uma história aberta ao futuro.

Com o prefácio do professor e seu grande amigo Ernani Maria Fiori, dividido em 4 capítulos de densidade argumentativa, Pedagogia do Oprimido influenciou militantes, intelectuais e pesquisadores ligados às ciências humanas e especialmente ao campo da Educação. Seu primeiro capítulo é a justificativa da obra

traduzida na urgência da superação da contradição opressor-oprimido, pois a violência dos opressores os faz também desumanos (p. 32), de modo que, esta superação só se dá quando: os oprimidos, ao buscarem recuperar sua humanidade, que é uma forma de criá-la, não se sentem idealistamente opressores, nem se tornam, de fato, opressores dos opressores, mas restauradores da humanidade em ambos.

No segundo capítulo são apresentadas as concepções divergentes de educação, a concepção bancária x a concepção libertadora e os princípios norteadores da sua práxis pedagógica.

Seu método, propriamente, constitui o terceiro capítulo, fundamentando e descrevendo as etapas de uma educação que problematiza e liberta e em que processo e fim são uma coisa só.

Enfim, o quarto capítulo atenta para as estratégias da ação antidialógica e para os rumos da ação dialógica que configura e instaura um novo mundo. E reitera todo o seu esforço para falar de algo, como o mesmo chamou, óbvio:

assim como o opressor para oprimir precisa de uma teoria da ação opressora, os oprimidos, para se libertarem, igualmente necessitam de uma teoria de sua ação. (p. 212).

E encerra sua obra dizendo:

Se nada ficar destas páginas, algo, pelo menos, esperamos que permaneça: nossa confiança no povo. Nossa fé nos homens e na criação de um mundo em que seja menos difícil amar. (p. 213).

Que a Pedagogia do Oprimido, tão rápido, tornado um clássico, construído no passado, mas ainda tão premente, não seja mais necessário amanhã, quando o ano zero da nova era, de fato, começar.

 

 

Referência:
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. (48ª reimpressão).

*Data original da publicação: 10 de setembro de 2011.

 

Ano: 
2011