Pedagogia Hospitalar

Hospital virou escola?

Marcos Machado e Mirela Oliveira*

 

*Alunos de Licenciatura em Pedagogia pela Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia.

Quando você ouve ou lê a palavra HOSPITAL, o que lhe vem à mente? Ousamos arriscar dizer que, geralmente, a palavra está associada com paciente, doença, mal estar, dor, sofrimento… Quase nunca associada com educação! Mas por que haveríamos de associar hospital com educação, não é? Afinal, saúde é saúde e educação é educação.

A nossa Constituição Federal, promulgada em 1988, prevê, no artigo 205, que

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Antes mesmo da Constituição Federal de 1988, a Lei nº 1.044/69 já propunha direitos às crianças e adolescentes hospitalizados no que diz respeito à educação, embora nenhuma ênfase ou regulamentação fosse dada às classes hospitalares especificamente.

Até hoje, as únicas referências mais diretas à Classe Hospitalar, dizem respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), datado de 1990, o item III do artigo 54, no qual afirma que “é dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino” e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9.394/96), quando aponta no parágrafo 2º do art. 58 que,

O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular.

De acordo com a legislação atual, a atuação do(a) pedagogo(a) pode se dar em espaços não escolares, por isso a Pedagogia Hospitalar está prevista no Plano Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEE) – escrito em 2008 –, até porque, ainda que sejam dotados de plenas capacidades que favoreçam sua permanência na escola regular, a criança e/ou o adolescente que está em tratamento hospitalar estará, temporariamente, deficiente, limitado. O PNEE afirma que “o atendimento educacional especializado identifica, elabora e organiza recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando as suas necessidades específicas” (BRASIL, 2008), característica fundamental das classes hospitalares.

Toda essa “salada de leis” é para dizer que ainda não é obrigatório o atendimento educacional em classes hospitalares especificamente, por mais que se diga que a Educação é um direito de todos – e aí incluem-se as crianças e adolescentes hospitalizados. Não obstante tudo isso, acredite: existe, sim, educação em hospitais!

A Pedagogia Hospitalar é uma vertente da educação, na qual o(a) professor(a) planeja e executa atividades voltadas para crianças hospitalizadas. O PNEE diz que “as atividades desenvolvidas no atendimento educacional especializado diferenciam-se daquelas realizadas na sala de aula comum, não sendo substitutivas à escolarização” (BRASIL, 2008). Por este motivo, não costumamos usar aqui a palavra aula, já que está comumente ligada à classe de escola regular, quer seja, à escola. Nas classes hospitalares, não há espaço e nem tempo para abordagem de conteúdos escolares específicos, pois a dinâmica existente não permite. Na escola, há horário de aula, carteiras, quadro negro, conteúdo a ser desenvolvido, dentre outras coisas. Já em uma classe hospitalar, a despeito da fase de desenvolvimento de cada criança ou adolescente, as demandas são outras. Especialmente para este público é necessário investigar outros propósitos que não os programas de ensino que objetivam aprender conteúdos específicos. Afinal, em classes hospitalares, é comum, dentre outras coisas: o entra e sai de crianças e adolescentes para realização de exames, além de público com idades variadas, logo, em estágios de desenvolvimento diferentes. A isso, soma-se o desconhecimento ou a incerteza de quando haverá a alta hospitalar. Há, ainda, casos de pacientes que têm consciência do grau de gravidade da sua doença e até mesmo aqueles que sabem que terão pouco tempo de vida!

Assim, as intervenções devem ocorrer de forma flexível e compreensiva. É importante que o professor de classe hospitalar esteja ciente das características das doenças de seus alunos-pacientes. Devem conhecer alguns sintomas como febre, sonolência, dores, vômitos, tonturas, dentre outros, provocados pelo uso das medicações, tendo ciência que todas estas manifestações estarão presentes no cotidiano deles e, por consequência, também farão parte das atividades. Estes conhecimentos são relevantes para que não haja, por parte do(a) professor(a), uma má interpretação com relação ao desejo de participação da criança ou adolescente. O respeito ao ritmo e ao nível de desenvolvimento é que irão fazer a diferença nestas práticas.

Para além dos conteúdos escolares, estando muito mais próxima do acompanhamento das dificuldades e melhoria de autoestima, a classe hospitalar tem por objetivos: diminuir o tempo de internação, melhorar a saúde e evitar possíveis perdas ou grandes atrasos no retorno à classe regular. Desta forma, o sujeito deve se sentir à vontade para expressar-se, assim como o professor deve estar apto para receber com naturalidade tal ou tais expressões. O tratamento individualizado traz aceitação e valorização das particularidades de cada um. Isso tudo ajuda, também, a diminuir o trauma hospitalar, além de propiciar momentos minimamente prazerosos e de desenvolvimento cognitivo, mesmo dentro do hospital.

Ainda há muitas barreiras a enfrentar o(a) pedagogo(a) que pretende caminhar por este viés da educação. Além de não ser tarefa das mais fáceis, tem características diferenciadas das que costumamos estudar nos cursos de Pedagogia.

Esperamos que, de agora em diante, em vez de só pensar em jaleco branco, leito, dor, sofrimento, o(a) caro(a) leitor(a) também lembre que hospital também pode ser lugar de educação, afinal, lá podem estar crianças em fase escolar e, como toda criança tem direito à educação, não podemos negar-lhe tal direito.

 

REFERÊNCIAS: 

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

______. Decreto – Lei nº 1.044, de 21 de outubro de 1969. Dispõe sobre o tratamento excepcional para os alunos portadores das afecções que indica.Brasília, DF: Casa Civil, 1969.

______. Ministério da Educação. Classe hospitalar e atendimento pedagógico domiciliar: estratégias e orientações. / Secretaria de Educação Especial. –Brasília: MEC; SEESP, 2002.

______. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Especial. Política Nacional de Educação Especial. Brasília: Secretaria de Educação Especial, 1994.

______. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei Federal 8.069 de 13 de julho de 1990. São Paulo, 1995.

______. Ministério de Educação e Cultura. LDB – Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da Educação Nacional. Brasília: MEC, 1996.

BISCARO, D. B. Pedagogia Hospitalar e suas bases legais. Salvador: Prefeitura Municipal de Salvador, [2012?]. Disponível em: <<http://www.educacao.salvador.ba.gov.br/site/documentos/espaco-virtual/espaco-educacao-saude/classes-hospitalares/WEBARTIGOS/pedagogia%20hospitalar%20-%20bases%20legais.pdf>>. Acesso em: 04 nov. 2013.

SANTOS, M. M. O.; PEREIRA, T. S.; BARRETO, M. O trabalho pedagógico-educacional em classe hospitalar: um estudo de caso. In: Cairu em Revista. Jan 2013, Ano 02, n° 02, p. 158-173.

Crédito da imagem:

<http://www.caccdurvalpaiva.org.br/blog/arquivo/6/2011/?pagina=5&gt;.

*Data original da publicação: 7 de novembro de 2013

Ano: 
2013