Síndrome de Down: uma história, um aprendizado

Síndrome de Down: uma história, um aprendizado

 

 

Tudo começou quando, em uma disciplina do curso de Pedagogia, me vi estimulada a ler um livro que tratasse do tema “educação de pessoas com necessidades especiais” para a produção de uma resenha. Escolhi, então, por gostar do título, o livro escrito por Elizabeth Tunes e Lurdinha Danezy Piantino, “Cadê a síndrome de Down que estava aqui? O gato comeu…: O Programa de Lurdinha”. Sabe aquele sentimento de ter feito a escolha certa? Foi o que senti logo ao ler as primeiras páginas do livro.

 

CONTEXTUALIZANDO…

As características de uma criança com síndrome de Down foram descritas pela primeira vez, em 1866, pelo médico britânico John Langdon Down – tendo o seu nome posteriormente dado nome a síndrome. Ele constatou que algumas crianças, cujos pais eram europeus, tinham características físicas semelhantes as da população da Mongólia.

 “Down acreditava que a condição que agora chamamos de síndrome de Down era um retorno a um tipo racial mais primitivo. Ao reconhecer nas crianças afetadas uma aparência oriental, Down criou o termo “mongolismo” e chamou a condição, inadequadamente de “idiota mongolóide”. Hoje sabemos que as implicações raciais são incorretas. Por essa razão e também por causa das conotações étnicas negativas dos termos mongol, mongolóide e mongolismo, terminologia desse tipo deve ser definitivamente evitada”. (SIEGFRIED, 1993, p. 48 e 49).

Contudo, essa condição só foi reconhecida como uma síndrome genética em 1958 pelo doutor Jerome Lejeune. Ele relatou que crianças com síndrome de Down possuíam um cromossomo extra. Se o esperado são 46 cromossomos em cada célula, essas crianças tinham 47 cromossomos. E ao invés dos dois cromossomos 21 comuns, foram encontrados três cromossomos 21, surgindo, então, o termo “trissomia 21”.

Ainda hoje, em pleno século XXI, persistem alguns mitos que envolvem a síndrome de Down. Sendo assim, considero importante destacar que essa síndrome é uma anomalia genética não uma doença, portanto não existe cura, tratamento. Deve-se levar em conta também que as pessoas que a possuem não devem ser tratadas como doentes.

Outro mito se refere à questão da divisão de opiniões em relação ao comportamento dos indivíduos com síndrome de Down. Uns acham que eles são agressivos e outros tantos acham que são “carinhosos”, “fofinhos”. No primeiro e no segundo caso se materializam dois mitos de procedência comum. Digo isso porque não podemos, em hipótese alguma, generalizar os indivíduos que têm tal síndrome. Cada um possui características especificas que dependem, entre outros fatores, do ambiente familiar e social em que vivem. Fatores esses que, por sinal, caracterizam a todos nós – com ou sem a síndrome.

Falando agora sobre sexualidade, uma idéia que permeia a nossa sociedade é que, nas pessoas que têm síndrome de Down, ela se manifesta de forma mais intensa. Mito! Esse pré-conceito se instaura, muitas vezes, pelas dificuldades de acesso à informações necessárias sobre esse assunto que esse público têm. Isso se deve, provavelmente, ao fato das pessoas que convivem com esse grupo acharem que eles não precisem ter conhecimento sobre isso ou até mesmo, nos casos mais graves, que eles não tenham sexualidade. Dessa forma, sem essas informações básicas, a ocorrência de comportamentos indevidos por parte das pessoas com síndrome de Down pode ser freqüente.

Ao falar de pessoas que tem síndrome de Down se faz necessário também fazer referência ao âmbito educacional. Já é assegurado por lei que as pessoas com necessidades educacionais especiais sejam incluídas no sistema regular de ensino, pois a finalidade da educação “é a mesma do que a da educação em geral, ou seja, oferecer-lhe todas as oportunidades e assistência para desenvolver as suas faculdades cognitivas e sociais especificas até ao mais alto grau que lhes for possível”. (BAUTISTA, 1997, p. 234) Dito isso, o êxito da inclusão da criança com síndrome de Down será fortemente influenciado pelas experiências e estímulos que esta teve a oportunidade de vivenciar antes de iniciar o período escolar. De acordo com Bautista (1997, apud BLASCO; HERNANDÉZ; SAMPEDRO, 1997, p. 236):

Uma família efetivamente equilibrada e com uma atitude que elimine, na medida do possível, a ansiedade e a angustia que esta dificuldade pressupõe, poderá fazer frente a este período em que deve existir a máxima flexibilidade e receptividade quanto às possibilidades de aprendizagem da criança, iniciando etapas educativas que requerem uma relação e colaboração direta entre o grupo familiar e os diferentes profissionais implicados no processo educativo (terapeuta da fala, médico, psicólogo, etc). O programa deverá contemplar todas as áreas do desenvolvimento: psicomotricidade fina e grossa, linguagem e comunicação, socialização e autonomia pessoal, desenvolvimento afetivo e cognitivo.

E falando em programa… Vamos nos deleitar agora com o Programa da Lurdinha:

 

SÓ PRA DAR ÁGUA NA BOCA 

 

 

Este livro foi escrito, utilizando as próprias palavras da mãe-autora, não para falar da trissomia no cromossomo 21, mas, sim, para falar de amor.

O livro conta a experiência vivida nos primeiros anos de vida do Lúcio, um menino especial, vitorioso e filho da Lurdinha (uma das autoras do livro). Ela mesma nos conta, através de suas anotações, detalhes da sua luta para vencer estigmas impostos pela sociedade. Estigmas estes que consideram a síndrome de Down uma doença, limitando os indivíduos que possuem essa característica genética a padrões preestabelecidos de vida, de comportamento etc. Ultrapassando a surpresa natural do diagnostico pós-natal do cariótipo do Lúcio, que revelava a trissomia simples no cromossomo 21, Lurdinha e sua família iniciaram uma caminhada em busca de explicações e soluções. Felizmente, se depararam com experiências positivas de várias famílias que superaram diagnósticos negativos, e empreitaram com sucesso a afirmação de seus filhos como crianças capazes de desenvolver habilidades e competências até então desacreditadas.

O segundo capítulo do livro se refere ao Programa da Lurdinha. Nessa que é uma das partes mais fascinantes, encontramos de forma detalhada as intervenções práticas que facilitaram o desenvolvimento, até inesperado por parte de médicos e especialistas, do Lúcio. Tudo isso resultado de pesquisas e estudos realizados por Lurdinha para esse fim.

No capítulo seguinte, intitulado “viver com uma criança com síndrome de down” passamos a conhecer um pouco como era o dia-a-dia do Lúcio no ambiente familiar. Isto incluindo aspectos sociais, físicos, afetivos, etc. Descreve também a experiência do Lúcio na escola, depois de uma busca árdua de seus pais por uma instituição que o recebesse de forma completa.

Hoje ainda, pais e responsáveis por crianças que precisam de atendimento educacional especial encontram dificuldades na busca por instituições que ofereçam essa modalidade em uma perspectiva inclusiva. Isso acontece mesmo quando a Resolução CNE/CEB Nº 2, de 11 de Fevereiro de 2001 garanta, no seu artigo 2°, que:

os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo às escolas organizar-se para o atendimento aos educandos com necessidades educacionais especiais, assegurando as condições necessárias para uma educação de qualidade para todos. (BRASIL, 2001).

O “programa da Lurdinha” foi construído para/com o Lúcio através de experiências concretas vividas por eles em um processo de constante criar. Não é um modelo pronto e acabado que deve ser utilizado com garantia dos mesmos resultados para todos os casos de crianças com Síndrome de Down. Pelo contrario, a semelhança iguala-nos; a diferença identifica-nos. Estamos nessa vida para conseguir nossa identidade. Por isso, precisamos valorizar as diferenças e respeitar as pessoas como indivíduos. A síndrome de Down é uma diferença. Quando igualamos todas as crianças que têm essa síndrome, criamos uma categoria social. Quando as individualizamos, damos oportunidade a cada uma de ter sua identidade como pessoa e não como síndrome. (TUNES; PIANTINO, 2006, p. 10).

Encerro meus comentários e elogios sobre o livro refletindo sobre uma frase que marcou muito a minha leitura: “Pessoas especiais são dadas a pessoas especialmente capazes”. (TUNES; PIANTINO, 2006, p. 4) Como educadores acredito que devemos considerar as dificuldades enfrentadas na educação de pessoas com necessidades especiais como a Lurdinha encarou. Certo que essas dificuldades são, por vezes, consideravelmente agravadas pela falta de informação e aprofundamento teórico sobre o assunto. Contudo, não podemos nos permitir estagnar na crença do senso comum e vitimar crianças que passam em nossas turmas pela nossa falta de disposição de correr atrás e colher informações, conhecimentos que nos habilitem a trabalhar com elas de forma válida, construtiva. Peço que reflitamos sobre o real papel que queremos exercer na trajetória de vida escolar – e até não escolar – das crianças que temos/teremos nas nossas turmas, tenham ela algum tipo de deficiência, de síndrome, transtorno ou não.

 

 

 

Sugestões de sites para visita:

http://revistaescola.abril.com.br/inclusao/educacao-especial/sindrome-down-inclusao-cromosso-21-622538.shtml 
http://revistaescola.abril.com.br/inclusao/ 
http://revistaescola.abril.com.br/producao-de-texto/inclusao-sindrome-down.shtml 
http://revistaescola.abril.com.br/inclusao/educacao-especial/formas-criativas-estimular-mente-deficientes-intelectuais-476406.shtml 
http://tinyurl.com/7s98l7m

 

Referências:

BLASCO, Gloria M. González; HERNÁNDEZ, Ana Maria Martinez; SAMPEDRO, Maria Fernández. A criança com síndrome de Down. In.: BAUTISTA, Rafael (coord.). NEC. Ed. Esp. Lisboa/Port: Pinheiro, 1997. p. 225–248.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CEB Nº 2 de 11 de fevereiro de 2001. Disponível em: <<http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/res2_b.pdf>&gt;. Acesso em: 14 abr. 2012
FUNDAÇÃO SINDROME DE DOWN. Mitos e Realidades. Disponível em: <<http://www.fsdown.org.br/sobre-a-sindrome-de-down/mitos-e-realidades/>>. Acesso em: 04 abr. 2012
SIEGFRIED, M. Pueschei (org.); tradução REILY, Lucia Helena. Síndrome de Down: Guia para pais e educadores.5 Ed. Campinas, SP: Papirus, 1993 (Série Educação especial).
TUNES, Elizabeth; PIANTINO, L. Danezy. Cadê a Síndrome de Down que estava aqui? O gato comeu…: O Programa da Lurdinha.  3 Ed.  Campinas, SP: Autores Associados, 2006 (Coleção educação contemporânea).

 

*Data original de publicação: 27 de abril de 2012

 

Ano: 
2012